Sustentabilidade

Comunidades se mobilizam para conter ação do coronavírus nas periferias

Adensadas e populosas, favelas contam com iniciativas de moradores para não se tornarem os novos epicentros da pandemia

Passados dois meses desde o primeiro caso do coronavírus no país, registrado em 26 de fevereiro, cresce a preocupação das autoridades sanitárias em como criar políticas públicas efetivas para conter a pandemia nos grandes conglomerados das comunidades pobres. Em cidades como São Paulo, que concentra a maioria dos casos no estado, são nas favelas e nas periferias que o número de óbitos pela doença tem disparado.

Dados divulgados pela Prefeitura de São Paulo no último dia 17 indicam que, apesar do número de ocorrências ser maior em áreas centrais da cidade, bairros como Brasilândia (54 óbitos), Sapopemba (51 óbitos), São Mateus (41 óbitos) e Cidade Tiradentes (37 óbitos), todos localizados em zonas periféricas, apresentam a maior concentração de letalidade. Nessas regiões a indisponibilidade de leitos de UTI tem surgido primeiro: desde meados de abril, hospitais municipais de Parelheiros, Itaquera e Cidade Tiradentes já operam com 100% dos leitos de UTI ocupados.

No Rio de Janeiro, a falta de testes levou o projeto Voz das Comunidades a criar um portal para contabilizar os casos e óbitos confirmados pela doença nas favelas cariocas. Em 23 de abril, o Painel Covid-19 nas Favelas já havia contabilizado 134 pacientes infectados e 18 mortes, um terço delas na comunidade da Rocinha. Apesar de bairros nobres, como Copacabana, liderarem os números de óbitos, a curva de crescimento tem se mostrado assustadoramente alta nas periferias durante os últimos dias.

Da crise econômica à crise social

O risco do desemprego é um fator que tem impedido uma maior adesão ao isolamento social nas periferias e, dessa forma, imposto maior risco aos seus moradores. Segundo uma análise realizada por pesquisadores do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), previsões mais pessimistas indicam a possibilidade de o país ter, ao final da pandemia, 12,6 milhões de desempregados e uma contração de até 15% na renda dos trabalhadores.

Em São Paulo, onde a Secretaria da Habitação mapeou 391 mil domicílios situados em espaços impróprios para moradia, como favelas e cortiços, a precariedade das construções é outro fator que reforça os riscos de contaminação. Sem ventilação ou espaço adequado nos cômodos, as populações mais pobres tornam-se as mais vulneráveis ao contágio.

Heliópolis,: Secretaria de Habitação de SP mapeou 391 mil domicílios impróprios para moradia. Crédito: Ricardo Stuckert/Fotos Públicas

No Twitter, a hashtag #Covid19nasFavelas foi parar nos trending topics na terça feira, dia 17 de abril, com postagens de moradores aflitos com a abertura do comércio local e a grande quantidade de pessoas nas ruas, além da escassez de serviços básicos como água encanada e serviços ambulatoriais. 

Propícias à contaminação por serem altamente populosas e adensadas, as periferias sofrem ainda mais com a falta de infraestrutura. Em grande parte dos domicílios, a total ausência ou intermitência do abastecimento de água torna inviável medidas básicas para prevenir a disseminação da doença, como a lavagem das mãos. No Morro de Santa Marta, Zona Oeste do Rio de Janeiro, um mutirão de limpeza gerido pelos próprios moradores teve de ser interrompido devido à falta de água.

Tempos de mobilização

Se por um lado tamanha crise tem exposto os efeitos da desigualdade sobre as cidades, por outro é certo de que a pandemia também fez surgir a vontade por mobilização. Hoje, as próprias comunidades e a organização civil seguem se unindo e criando importantes projetos e campanhas de suporte aos mais vulneráveis.

Em Paraisópolis, uma das maiores favelas de São Paulo, moradores se organizaram para mapear os doentes e oferecer ajuda às mais de 100 mil pessoas que vivem na região. Cerca de 420 representantes foram escolhidos como “presidentes de rua” para monitorar as casas mais próximas e descobrir as necessidades das famílias. A iniciativa contratou ainda três ambulâncias (uma delas sendo UTI móvel) e funcionários da saúde que se mudaram para Paraisópolis para melhor atender os moradores.

Equipes de zeladoria da subprefeitura de Campo Limpo higienizam as ruas Herbert Spencer, Iratinga e Rodolf Lotze, localizadas na região de Paraisópolis. Crédito: PrefSP/Fotos Públicas

Sem ações do governo, moradores do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, se mobilizaram para criar o Gabinete de Crise do Complexo do Alemão. Além de conscientizarem a população com panfletos e canais nas redes sociais, o projeto já arrecadou e distribuiu milhares de cestas básicas e produtos de higiene para a comunidade.

Central Única das Favelas (CUFA) lançou o programa “Mães da Favela”, para ajudar financeiramente as mães solos. A campanha teve adesão de todas as Centrais nos 26 estados do Brasil e o Distrito Federal, coletando mais de R$ 4 milhões. Além dos chamados Vales-Mãe, no valor de R$ 120,00, a iniciativa doa alimentos e suprimentos. As contribuições podem ser feitas pelo site do projeto.

No Morro Santa Marta, no Rio, moradores persistem em meio aos contratempos e seguem arrecadando dinheiro para realizar os mutirões de limpeza, e as contribuições podem ser feitas através do site Benfeitoria Santa Marta. Há ainda campanhas locais dedicadas à grupos de trabalhadores, como o Adote uma Diarista, que ajuda os profissionais autônomos de Paraisópolis, em São Paulo, com a arrecadação de doações online. Comunidades como Rocinha, Heliópolis e a própria Paraisópolis estão entre as integrantes do G10 Favelas, bloco de Líderes e Empreendedores de Impacto Social das Favelas que somam esforços em ações comunitárias e canais de doações.


Carolina Junqueira
Formada em Arquitetura e Urbanismo, escreve sobre cidades, arquitetura, design e artes visuais. Teve passagens pela revista Bamboo, portal Arkpad e foi colaborada da plataforma Esquina.