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Desenvolvimento nas metrópoles: a responsabilidade do mercado imobiliário

Reprodução Joao Tzanno/Unsplash

Quando criança, lembro de visitas a museus onde havia imagens e maquetes de cidades medievais, com seus muros intransponíveis e torres de onde os guardas se posicionavam para revidar ações de invasores. O que mais me impressionava era imaginar a dificuldade de viver naquela época, a falta de infraestrutura, de água encanada, coleta de esgoto e energia elétrica, coisas que hoje damos como básicas — ou, pelo menos, que assim deveriam ser. É duro constatar que nós brasileiros não evoluímos nesse ponto tanto quando deveríamos. Em pleno século 21, metade da população ainda não tem saneamento básico. Milhões de pessoas vivem sob as mesmas condições (ou falta delas) do que nos tempos da Idade Média, não à toa apelidada de Idade das Trevas. 

As cidades têm origem exatamente nesse ponto, na percepção de que, ao vivermos próximos uns dos outros, poderíamos ser todos beneficiados por serviços e instalações capazes de melhorar nossa saúde, nossa produtividade e de desenvolver nossos potenciais. A migração urbana demonstra o quanto as cidades são pólos de atração, sobretudo de quem busca melhores condições de vida e um futuro melhor. Infelizmente, muitas vezes é nisso que elas falham em oferecer. A evolução das cidades é também uma história de desigualdades, principalmente econômicas e espaciais. Em vez de enfrentar o problema, pessoas com melhores condições financeiras optaram pelo isolacionismo, que prejudica não apenas quem não dispõe das mesmas condições, mas a vida urbana como um todo. Tal como na Idade Média, preferem se esconder atrás de muralhas blindadas. O muro pode parecer uma solução fácil à primeira vista, mas é a consolidação de uma série de problemas.

A pandemia tem colocado dúvidas no desenvolvimento das cidades e sobre como devem evoluir daqui em diante. O momento é de incertezas e por isso temos de compreender logo a oportunidade sem precedentes de repensar a maneira como produzimos edifícios e espaços públicos, assim como a maneira como eles se conectam com as ruas e com as pessoas. Repensar nossas práticas nunca se fez tão necessário. Gerações anteriores apontavam para uma cidade mais humana. Essa ideia me faz relembrar pouco da história que conheço e a pensar que tipo de história nós, paulistanos de agora, queremos escrever.

Meus avós desembarcaram no Brasil em 1940, vindos da Polônia. Nesse grupo de imigrantes, havia um jovem que se tornaria uma das principais referências da arquitetura paulistana modernista: Lucjan (Luciano) Korngold (1897-1963). Formado engenheiro-arquiteto em Varsóvia, ele já tinha experiência suficiente para criar algumas das obras mais inovadoras daquela época. Meu avô era industrial e fazia parte de um grupo que investia no mercado imobiliário, valorizando as inovações arquitetônicas da época. Entre os edifícios, fez com Korngold o Vista Alegre, o Rio Claro e o Edifício Higienópolis, um dos primeiros imóveis comercializados na planta, rompendo com o modelo vigente de vender as unidades apenas quando prontas. Pouco tempo atrás, soube através de VEJA SÃO PAULO que o próprio Korngold morou na cobertura em seus últimos anos de vida. 

Houve ainda o desbravamento da Avenida Paulista como centro corporativo. No sétimo andar do Edifício Grande Avenida, também de Korngold, fizemos nossa sede. Quando houve o primeiro grande incêndio, foi preciso acomodar a equipe de improviso na laje de um outro edifício que vinha sendo construído ali perto. Tivemos o privilégio de trabalhar com Gian Carlo Gasperini (1926-2020) e Carlos Bratke (1942-2017) que também contribuíram com projetos tanto residenciais, quanto corporativos. 

Anos mais tarde, vislumbramos a chance de conciliar desenvolvimento imobiliário e preservação do patrimônio. Participamos do desenvolvimento do edifício localizado no terreno da Casa das Rosas e pudemos repetir o feito pouco tempo atrás, construindo um edifício corporativo para conviver com o casarão onde funciona o restaurante Gula Gula, recentemente citado em reportagem da Vejinha sobre preservação do patrimônio.

Todas essas obras seguem reafirmando a importância de criar e manter uma boa relação entre edifícios e cidade, de valorizar seu uso pelas pessoas, de dialogar com o espaço público. É fundamental acreditar na arquitetura e permitir que esses profissionais qualifiquem a inserção dos empreendimentos. Temos orgulho e sabemos da importância de seguirmos trabalhando com nomes de excelência como Isay Weinfeld, Arthur Casas, Marcio Kogan, Aflalo e Gasperini, Perkins and Will e tantos outros.

Outro ponto importante é buscarmos alternativas mais sustentáveis para o nosso setor. A construção de um apartamento é 20 vezes mais poluente no período de obras do que ao longo de toda a sua vida útil. As empresas precisam se conscientizar e enfrentar o problema, reduzindo emissões e compensando seus efeitos com a aquisição de créditos de carbono, algo que já fazemos desde 2008 e nos permitiu neutralizar mais de cem mil toneladas, o equivalente a plantar 700 mil árvores ou retirar 20 mil automóveis de circulação durante um ano.


Nesse momento de retomada econômica, cabe ao mercado imobiliário assumir sua parcela de responsabilidade no desenvolvimento urbano. Reservar áreas dentro dos empreendimentos para servir como espaço público, oferecer gentilezas urbanas como obras de arte para serem apreciadas ao nível da rua, investir na preservação de imóveis tombados ou mesmo reformar e alargar calçadas, trazem grandes efeitos positivos coletivos. A pandemia nos mostrou que somos mais vulneráveis do que pensávamos, mas também vem evidenciando nossas forças e capacidade de articulação. Cabe a nós unidos ao poder público usá-las a favor de todos.

Texto originalmente publicado em VEJA São Paulo de 30 de dezembro de 2020, edição nº 2719

Stefan Neuding
Stefan Neuding é vice-presidente da Stan Incorporadora e responsável pelas áreas de conceituação de produto, marketing e comercialização. Com amplo portfólio de edifícios corporativos, residenciais e mixed use, a Stan tornou-se pioneira no controle e compensação de emissões de carbono (selo Carbon Control), na valorização da arte na paisagem urbana (linhas Arte Arquitetura e Habitarte) e na criação de produtos imobiliários inovadores, caso dos lofts. Os projetos são concebidos por alguns dos mais premiados arquitetos do País, originando ícones contemporâneos como o premiado Edifício 360º. O executivo preside ainda a Bramex Realty, é diretor da Fiabci (Federação Internacional das Profissões Imobiliárias) e conta com mais de trinta anos de experiência no mercado imobiliário.