Espaços públicos

Durante pandemia, espaços comuns próximos à residência são mais usados

Crédito: Ross Sneddon/Unsplah

Levantamento do braço de pesquisa do escritório dinamarquês Gehl Architects aponta que pandemia promoveu mudanças nos hábitos e sugere mudanças para as cidades

O mundo nunca mais será o mesmo depois da crise mundial provocada pelo coronavírus, dizem os especialistas em comportamento, infectologistas e urbanistas. E assim como ocorreu nas outras pandemias registradas ao longo da história, as cidades também terão sua dinâmica alterada. Uma sondagem realizada digitalmente pelo Gehl People, braço de pesquisa do escritório dinamarquês Gehl Architects, referência mundial em urbanismo, aponta que essa mudança já começou. Os deslocamentos para utilização de espaços públicos, por exemplo, foram reduzidos e as pessoas passaram a utilizar as áreas próximas de casa quando precisam quebrar o isolamento social, seja para compras, serviços essenciais ou para exercícios físicos.

A pesquisa ouviu 2.023 pessoas de 68 países localizados em todos os continentes (com exceção da Antártica) sobre o papel que os espaços públicos ocupam no cotidiano perante essa nova realidade. Para o Gehl, se os espaços públicos forem repensados, projetados para possibilitar segurança e criatividade, eles podem ser a área viva da comunidade. Dessa forma, as cidades teriam áreas de acesso a serviços essenciais, que manteriam as pessoas em forma e promoveriam a redução do isolamento social. A organização acredita que o fechamento de ruas não seja a melhor saída nesse cenário, causando mais estresse à população, mas sim o alargamento e a administração da passagem.

“As pessoas estão reivindicando suas ruas do bairro. Ciclismo, corrida e caminhada aumentaram no meu bairro. O tráfego de carros está baixo. As ruas estão mais calmas. Eu posso ouvir pássaros. Apesar do caos da pandemia, há uma calma nessas ruas da Covid-19”, relatou um entrevistado.

“Hoje e nos próximos meses, as comunidades em todo o mundo terão a tarefa de redefinir, adaptar e ampliar o papel do espaço público como o conhecemos. Nossa saúde individual e coletiva – para não mencionar a conexão social que almejamos – só se beneficiará de uma ação segura, ponderada e ousada”, afirma a organização.

Organização sugere diversas iniciativas às administrações das cidades nos espaços públicos para o pós-pandemia. Crédito: Unsplash

O Gehl planeja aprofundar a pesquisa sobre a mudança do uso do espaço público em parceria com clientes em diferentes cidades do mundo. Mas os insights revelados na sondagem online mostram a mudança mundo afora provocada pela Covid-19.

Confira os principais resultados:

Áreas próximas

Cerca de um terço dos entrevistados, 35%, disseram não utilizar mais espaços públicos, exceto para tarefas essenciais. Já os que se aventuravam (65%) passaram a utilizar áreas perto de casa, ruas ou calçadas, parques e praças de bairro. Assim, deixou-se de utilizar as grandes áreas centrais para utilizar de forma melhor os locais periféricos, próximos às residências.

Mesmo evitando deslocamentos longos, 91% dos entrevistados relatam situações de aglomeração quando se aventuram nos espaços públicos, principalmente ao executar tarefas essenciais. A entrevista revelou também que os idosos – a partir de 65 anos – tinham 12% menos probabilidade de saírem de casa, perante os mais jovens. Para a Gehl, isso indica a necessidade de manter os locais de compras – como farmácias e mercados – com políticas de controle de entrada e saída, com o objetivo de evitar contato entre os consumidores.

Outros locais citados nas entrevistas com aglomerações foram parques de bairro, ruas e calçadas próximas de casa e ruas de destino. Um dos relatos diz que “as calçadas sempre pareciam estreitas na minha cidade. Agora isso está me afetando ainda mais, pois em muitos lugares é simplesmente impossível manter a distância recomendada e necessária de 1,5 metro”.  Isso, segundo a organização, indica a importância de desenvolver redes locais de espaços públicos que reimaginem as áreas urbanas. 

Esporte e relaxamento

A Covid-19 revelou outro comportamento, segundo a pesquisa. Os entrevistados – e especialmente os mais vulneráveis ​​ao coronavírus – estão saindo para atividades que beneficiam a saúde física e mental.

A motivação de 81% dos entrevistados que disseram usar o espaço público é a praticar exercício, enquanto 72% preferem sair para relaxar, duas atividades cruciais para a manutenção da saúde física e mental. Um entrevistado citou: “As pessoas parecem estar usando o espaço verde e o espaço ao ar livre mais do que antes do surto. Agora é uma libertação, uma fuga, alguma sanidade, algum bem-estar”. Mesmo assim, a proximidade variável do espaço aberto e o medo de aglomerar despertaram a ansiedade de muitos: “Eu adoraria chegar a um parque ou a uma passagem mais aberta, mas as ruas e calçadas no caminho são lotadas e induzem à ansiedade”, compartilhou outro entrevistado.

Cerca de 94% dos entrevistados mais velhos citaram o exercício como motivo para saírem. Essas descobertas sinalizaram, segundo a organização, o papel vital de espaços públicos projetados e gerenciados com segurança, principalmente para os mais vulneráveis. “De fato, os idosos serão cada vez mais importantes para o planejamento da cidade nos próximos anos. Nos Estados Unidos, por exemplo, a população mais velha (mais de 65 anos) deve ultrapassar as crianças em 2034 – a primeira na história do país”, conclui o Gehl People.

Interação social

Mais da metade dos entrevistados, cerca de 58%, disseram socializar com pessoas que não estavam se isolando durante a pandemia. De acordo com um entrevistado, “os vizinhos conversam entre si, param para socializar à distância, mas não têm pressa”.

Dos que moram sozinhos, 77% dizem manter a distância segura entre os demais, enquanto isso, apenas 45% das pessoas que dividem a casa mantêm a mesma prática. E mesmo com mais chance de serem gravemente afetados pela Covid-19, os mais velhos são os que relatam manter maior atividade social.

O papel de uma vida social na melhoria da saúde física e mental está bem estabelecido. Antes da pandemia, segundo o Gehl People, já havia necessidade urgente de espaços públicos vibrantes socialmente, especialmente para a população que mora sozinha e também para os idosos.

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Menos carro, mais caminhada

Dois terços (66%) dos entrevistados relataram estar dirigindo menos e 59% afirmam ter reduzido o uso de carro compartilhado ou táxis.

Andar a pé foi o hábito que apresentou o maior aumento, hábito coerente com o relato de que estão fazendo mais tarefas perto de casa. Dois terços (66%) dos entrevistados relatam andar mais e, entre os proprietários de carros, essa parcela sobe para 69% por cento.

O ciclismo experimenta o próximo salto mais alto, com 25% dos entrevistados pedalando mais durante a pandemia. Mesmo assim, cerca de 57% disseram andar de bicicleta com a mesma frequência de antes da pandemia. Dessa forma, o Gehl acredita que a crise causada pelo coronavírus pode apresentar oportunidades para criar maneiras saudáveis ​​e sustentáveis.

Juliana Gattone
Jornalista, com MBA em Gestão de Pessoas, tem passagem pelos principais setores - poder público, privado e imprensa. Atua há 24 anos escrevendo sobre política e economia, além de desenvolver projetos de comunicação e conteúdo estratégico para diversas áreas (lazer, saúde, consumo, construção civil e cultura). Integrou as redações do Diário do Grande ABC e do Jornal da Tarde (Grupo Estado), conduziu a Secretaria de Comunicação de Santo André e gerenciou equipes nas maiores agências de Relações Públicas, como Máquina Cohn&Wolfe, CDN e Inner Voice Comunicação Essencial.