Arquitetura e Mercado

Grupo cria plataforma para multiplicar reformas para baixa renda

Problema social alcança cerca de 11 milhões de residências no Brasil sem condições básicas, como coleta de esgoto, rede de água e coleta de lixo

Um movimento conjunto entre dezenas de organizações da sociedade civil pretende melhorar a qualidade das moradias no Brasil multiplicando as reformas residenciais. Embora a prática mais comum no país seja a construção de casas próprias novas financiadas pelo governo, entidades apostam na demanda e na necessidade de trabalhar a imensa massa de imóveis precários existentes e assim tentar melhorar suas condições de salubridade e conforto. Muitas dessas casas sofrem com vazamento, umidade, mofo, falta de ventilação e superlotação de moradores. 

A ação foi divulgada em webinar da Cidades 21 sobre a Moradia no Pós-Pandemia, que teve participação de Fernando Assad, um dos idealizadores do Programa Vivenda. Desde 2009, a iniciativa oferece planejamento, kits de reforma e microcrédito para esse segmento, realizando melhorias especialmente em banheiros e cozinhas de áreas carentes, como o Jardim Ibirapuera, em São Paulo. Também integra a iniciativa a organização internacional Habitat para a Humanidade Brasil, que atua no país há 25 anos apoiando a produção residencial para famílias em situação de vulnerabilidade. 

O objetivo da parceria é estruturar um ecossistema para dar maior eficiência às reformas, garantindo acesso a metodologias tanto para execução de obras subsidiadas quanto para cessão de crédito e liberação de adequações de baixa complexidade na periferia. Para isso, várias organizações que já atuam nesse segmento – cerca de 60 na base de dados do projeto – estão mapeadas para garantir apoio em todas as variáveis.

Com isso, será possível consolidar uma plataforma com todas essas informações, com a possibilidade de difundir aprendizados desde já. “Há muita organização trabalhando em pequena, média ou grande escala. Mas a atuação hoje tem sido de modo pulverizado. Queremos fazer uma frente, com eficiência uníssona para um problema que, atualmente, não está na agenda do poder público”, afirma Marcelo Zarzuela Coelho, um dos idealizadores do Vivenda.

O projeto nasce em um momento crucial para o conceito de qualidade de moradia no Brasil, isso porque, com a pandemia de Covid-19, ficou ainda mais evidente a insalubridade das habitações, uma questão antiga no país. Com home office, ensino à distância e toda a família ficando em casa em cômodos superadensados, a sociedade passou a olhar de forma verdadeira para o problema. “Precisamos liderar esse movimento, garantindo que as pessoas possam trabalhar de casa com saúde habitacional, com questões sanitárias sanadas”, diz Coelho.

Segundo o Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat), no Brasil, 40% dos domicílios são considerados inadequados, sem acesso a água, rede de esgoto ou coleta adequada de lixo e merecem atenção. Isso porque as habitações sem estrutura trazem consequências graves, como falta de segurança, problemas recorrentes de saúde e autoestima (veja arte).

Uma habitação com saneamento básico e ventilação, por exemplo, evita gastos na saúde pública. Problemas como tuberculose, pneumonia e demais intercorrências respiratórias têm ligação com umidade excessiva, infiltrações e proliferação de bactérias. Dados da OMS (Organização Mundial da Saúde) apontam que a cada US$ 1 investido em água e saneamento há uma economia de US$ 4,3 nos custos da saúde.

Atualmente, o déficit habitacional quantitativo – aquele que integra a construção de novas residências, contemplada em projetos do poder público – chega a 7 milhões de novas unidades, enquanto o déficit qualitativo, referente às casas construídas em locais sem estrutura do estado, sem projeto e de forma inadequada atinge 11 milhões de moradias, segundo a Fundação João Pinheiro.

Mais de 40% das moradias no Brasil são consideradas insalubres. Crédito: Felipe Dias/Unsplash

O setor de reformas em casas da periferia começou a se formar com um movimento nascido entre 2010 e 2012 e, por ser relativamente, novo, ainda não conseguiu se estruturar para ter auxílio dos governos. “Temos até algum contado com poder público, mas em âmbito muito específico. Não é suficiente para endereçar uma discussão de inclusão do tema na agenda. Por isso, entendemos que, dadas as dificuldades históricas desse movimento de melhoria habitacional ou construção de emergência, será uma rede liderada pelo terceiro setor e negócios de impacto, tanto para trazer parceiros para debater quanto para executar”, avalia Coelho.

O momento agora é criar movimento de resposta à crise sanitária provocada pelo coronavírus, do ponto de vista das habitações. Para Coelho, a palavra do dia, dadas as circunstâncias, é colaboração. “Se conseguir conectar essas coisas que já acontecem, é a maior a chance de ter um resultado muito mais expressivo. O primeiro passo é conectar as iniciativas com alicerce seguro do desempenho das organizações e depois tentar atingir escala para atingir o poder público. E como já temos estruturas de financiamento compartilhadas, só precisa afinar esses ponteiros e começar a desenvolver projetos-piloto. ”

Juliana Gattone
Jornalista, com MBA em Gestão de Pessoas, tem passagem pelos principais setores - poder público, privado e imprensa. Atua há 24 anos escrevendo sobre política e economia, além de desenvolver projetos de comunicação e conteúdo estratégico para diversas áreas (lazer, saúde, consumo, construção civil e cultura). Integrou as redações do Diário do Grande ABC e do Jornal da Tarde (Grupo Estado), conduziu a Secretaria de Comunicação de Santo André e gerenciou equipes nas maiores agências de Relações Públicas, como Máquina Cohn&Wolfe, CDN e Inner Voice Comunicação Essencial.